sábado, 1 de dezembro de 2007

Uma Lição de Vida



Acordou já no volante do carro enquanto ele descia a maldita ladeira. Chacoalhando e pulando feito um potro selvagem, o carro ia passando pelas árvores deixando atras de si um rastro de destruição. Para tanto grande parte da integridade do carro era comprometida a cada pancada em pedra ou tronco que ocorria no caminho.
Botou as mãos no volante e segurou com força. Não lembrava nem como foi parar ali, mas sabia que se não controlasse aquele automóvel, estaria morto. Moveu o volante mas não conseguiu mudar o trajeto do bólido. Para ser mais claro, com tantos solavancos o carro ficava quase que mais tempo no ar que no chão. Não tendo outra escolha, abriu a porta e saltou para fora do carro. Alguns galhos e pedras machucaram seu corpo, mas ver o carro colidindo com uma imensa rocha que esperava paciente no fim da ladeira, fez os ferimentos doerem menos. O carro se espatifou como um ovo que cai ao chão.
Sem entender como aconteceu aquilo tudo, foi até o carro cambaleando. E conforme foi andando até o carro percebeu que era o seu carro . O carro que comprara para esta viagem. Lembrou-se que era um vendedor de uma loja de departamentos. Lembrou-se que sua esposa era uma mulher carinhosa e linda, mas que não viria na viajem para deixar que ele mesmo consertasse seu relacionamento com sua pequena e doce filha de cinco anos, triste porque o pai faltou ao seu recital de balé.
Deus, lembrou-se que esta viagem era exatamente para ver uma companhiade balé que se apresentava na capital. Uma surpresa para sua doce filha de cinco anos, que estava no carro. Como foi que pôde? Como pôde ser que ele dormiu ao volante? Não fazia sentido. Era uma viagem curta. Não podia ter-se cansado tanto.
Mas havia passado a noite acordado para fechar o balanço anual da loja a tempo de viajar. Era isso. Segunda noite seguida sem dormir. Matou sua filha. Parou a alguns metros do carro destruído. Não conseguia mais andar. Não conseguia mais parar de chorar. Via o líquido vermelho escorrer pelo canto de uma das portas do carro. Aquele pedaço de inferno. Aquele mausoléu sobre rodas. O caixão de sua filha. Nunca mais dirigiu na vida. Nunca mais passou uma noite em claro. Nem mesmo beber bebeu mais. Viveu cada dia de sua vida com o propósito de honrar a sorte que teve. A sorte de sua filha ter saído do carro instantes antes do pai ter acordado. Sorte por ela não ter se machucado gravemente e sorte pelo líquido vermelho ser apenas algum fluido do motor, que agora ocupava o lugar dos passageiros.
Bem, nunca mais não é exatamente um tempo longo. Alguns meses depois faltou em outro recital de sua filha. Mas dessa vez limitou-se a comprar-lhe uma boneca vestida de bailarina.
Algumas lições não são aprendidas exatamente como são ensinadas.

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